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A cumplicidade e a afinidade existentes entre mim e a minha câmara fotográfica são enormes. A câmara é uma extensão do meu corpo, segue o ritmo do meu pensamento como se de um membro suplementar se tratasse.
Tenho sentido acentuar-se a desumanização da sociedade que resulta também dos grandes desenvolvimentos tecnológicos. Embora não os rejeite totalmente, procuro, todavia, através das minhas imagens, criar mundos paralelos, mais humanos, onde me reveja. É neles que procuro o conforto para expressar o meu sentir, as minhas preocupações, as minhas verdades.
A minha fotografia gira bastante em redor das pessoas, especialmente do meu núcleo familiar e círculo de amigos, com o pano-de-fundo dos espaços que me são próximos. Todos nós somos, de alguma forma, fruto do meio em que vivemos e no qual fomos criados: não sou, pois, excepção. Da mesma forma que influencio estas pessoas com o meu “eu”, também delas recebo influências que se reflectem nas minhas fotografias. Fotografo, fundamentalmente, pessoas. No entanto, em contraponto, fotografo também a sua ausência. Imaginário e ilusório emergem assim no balanço da troca de experiências e vivências partilhadas.
Reconheço a minha total incapacidade para fotografar instantâneos. Por isso, não é costume trazer comigo a câmara fotográfica, o que me leva a recorrer à memória dos “instantâneos” que vou vendo para os recriar e fotografar depois. Vivencio as coisas, reflicto sobre elas, e desse processo nasce uma imagem que vou moldando mentalmente, até sentir que, através dela, posso transmitir a verdade, a minha verdade. Só após esta descoberta é que parto para a execução da fotografia. A “minha” imagem passa assim a ser fruto da mistura entre vivências e imaginação, mediada pela minha cumplicidade com a câmara. Juntos buscamos então paralelos que nos levam ao resultado final.
Em todo o meu trabalho aparece reflectida, de forma constante, a “busca da identidade”. Um número de identificação codifica a nossa identidade perante o todo da sociedade. Esse número acompanha-nos por toda a vida, mantendo-se constante na sua lógica abstracta, apesar das vivências, mudanças e transformações por que passamos. Já a obra, operada por cada um, está, pelo contrário, confinada a um círculo mais restrito, mas é muito mais reveladora da identidade do indivíduo, transcendendo largamente a informação objectiva a que se pode aceder através de um código numérico.
Ironicamente, do pouco ou nenhum sentido de paralelismo que possa existir nestas duas formas de identificar a pessoa, nasceu a ideia de dar a este trabalho o título de 123 90 948. Por um lado, este é um número de identificação pessoal; por outro, passa também a ser a marca “emblemática” da obra por mim produzida.
Se tal identificador numérico jamais me abandonará, tenho a certeza que também as minhas fotografias me acompanharão sempre, já que elas representam a parte mais importante da minha identidade.