Mirror Without a Memory

Cada vez mais, as grandes metrópoles criam no seu interior, indivíduos solitários. São inúmeros os fatores que para isso contribuem. As pessoas deslocadas dos seus ambientes naturais, procuram nessas grandes urbes, quase sempre com enorme sacrifício da sua parte, conhecimento por via dos estudos ou uma vida diferente.
Abandonam o seu espaço natural, na maioria dos casos pequenas cidades, para se confrontarem na cidade grande com inúmeros problemas, nomeadamente, a solidão. Este projeto, é fruto desse período que atravessei em Londres. Fui ultrapassando essas fases de solidão, revendo os álbuns digitais armazenados ao longo dos tempos.
Do confronto com essas imagens, vêm-me à memória diversas histórias, algumas delas já tinham sido apagadas da minha memória. Assim, essas fotografias ajudaram-me a recordar o passado com mais ou menos verdade, no entanto, funcionaram sempre como conversas pessoais, entre mim e essas fotografias. De uma forma natural e espontânea, comecei a selecionar, a recortar e imprimir pequenos trechos e fragmentos dessas imagens, dessas histórias.
Daí a intervir diretamente nas imagens criadas, foi um passo. É o dissolver das imagens, como que se o tempo tivesse dissolvido essas histórias, tornando-as opacas, criou-se um mistério à volta dessas narrativas passadas, que se tornaram presentes.
Ao (re) fotografar essas imagens, acabei criando novos objetos, novos assuntos, novas narrativas, que conduziram a um novo discurso ao redor dessas fotografias. Estas novas narrativas, levaram-me para ideias como transformação e envelhecimento, para algo que está associado ao tempo.
Ao analisar essas questões, tempo, transformações, envelhecimento, ocorreu-me Oscar Wilde (Dublin 1854, Paris 1900) com o seu “Retrato de Dorian Grey”. Basil Hallward, artista pintor, amigo de Dorian Grey, encantado com a beleza do jovem, resolveu pintá-lo em retrato de corpo inteiro.
Ao ver o retrato, Dorian, percebendo que com o passar do tempo a sua beleza irá desaparecer, manifesta o desejo, que lhe é concedido, de vender a sua alma para que assim, envelheça até desaparecer, o retrato em vez dele próprio. Dorian, prossegue com uma vida dissoluta e de libertinagem, chegando ao crime como o de matar o seu amigo Basil. Enquanto isso, vai-se mantendo jovem e sedutor e todas as marcas da passagem do tempo, são refletidas no quadro que vai envelhecendo.
Na obra de Wilde, com o passar do tempo, é o retrato e não Dorian que vai sofrendo mudanças. Dorian, mantém-se jovem e sem alterações exteriores, mas, interiormente vai-se consumindo permanentemente.
Nesta série fotográfica, dá-se o inverso, a transformação é exterior e reflete-se nas imagens dissolvidas, embora o encanto dissimulado em cada uma delas se mantenha inalterada com o passar do tempo. As fotografias funcionam, se entendermos, por camadas, que à medida que se vão auto destruindo levam o observador, pela contemplação, à suspensão num determinado tempo que ajudará a descodificar o encanto, revelado na forma oculta e poética das suas imagens, que continuam e prevalecem imutáveis.